Avaliação Do Risco De Cárie E Intervenções Personalizadas

 

Dentista ensinando criança a escovar os dentes

A cárie dentária é uma doença infecciosa multifatorial, endêmica e a doença crônica mais comum na infância¹.

 

Sobre a cárie dental

Numa revisão sistemática, a prevalência de cárie na primeira infância em 37 países variou entre 23% e 90% e foi maior que 50% em mais de dois terços destes². Nos Estados Unidos, foi encontrada uma prevalência de cárie de 45,8% para indivíduos dos 2 aos 19 anos de idade entre 2015 e 2016, com uma maior prevalência nos indivíduos dos 12 aos 19 anos de idade³.

Quais são os pré-requisitos para o aparecimento da cárie dental?

As bactérias cariogênicas e os carboidratos fermentáveis são pré-requisitos para a cárie dentária⁵. O metabolismo bacteriano dos carboidratos fermentáveis resulta na produção de ácido, na diminuição do pH intra-oral e na perda de cálcio e fosfato da estrutura dentária.

A cárie dentária é um processo dinâmico, com ciclos repetidos de desmineralização e remineralização. A ocorrência ou não de cárie dentária depende do equilíbrio entre os fatores de risco e fatores protetores

O que são fatores de risco?

Os fatores de risco são definidos como "qualquer atributo, característica ou exposição de um indivíduo que aumenta a probabilidade de desenvolver uma doença ou lesão"⁶. Quando os fatores de proteção superam os fatores de risco, a doença é inibida.

Avaliação do risco de cárie (ARC)

A avaliação do risco de cárie (ARC) é realizada para determinar o nível de risco individual de um paciente e também informa as intervenções recomendadas. Para isso, são considerados os fatores de risco de cárie, os fatores de proteção e a história médica e dentária do paciente, além de ser realizado um exame completo da boca, incluindo radiografias, se necessário. A Academia Americana de Odontopediatria (AAPD) recomenda que a primeira ARC dos pacientes seja efetuada até aos 6 meses de idade. Além disso, é indicada uma reavaliação periódica, uma vez que o nível de risco pode mudar ao longo do tempo. A experiência anterior de cárie dentária continua a ser o mais forte preditor de cárie dentária⁷.

Mas quais são os fatores de risco?

Os fatores de risco de cárie incluem:

  • Má higiene oral (presença de placa visível); 
  • Consumo frequente de carboidratos fermentáveis, em particular açúcares livres⁵ ⁸;
  • Fluxo salivar reduzido/ausente;
  • Morfologia dentária desfavorável (por exemplo, fissuras pronunciadas);
  • Superfícies radiculares expostas;
  • História familiar positiva para cáries dentárias;
  • Baixa condição socioeconómica
  • Aparelhos ortodônticos fixos;
  • Abuso de substâncias;
  • Hipoplasia do esmalte
  • Restaurações defeituosas
  • Danos iatrogênicos na estrutura dentária
  • Genética

(Referências 3,9,10,11,12,13,14,15)

Uma mudança no biofilme com mais bactérias acidogênicas, promovida por um ambiente de baixo pH também influencia a doença. Também se coloca a hipótese de que a microbiota oral que favorece a cárie dentária pode estar associada à ausência de adaptação do genoma do hospedeiro¹⁶.

 

Ferramentas para a avaliação do risco de cárie

A avaliação do risco de cárie pode ser efetuada utilizando ferramentas, programas digitais, um formulário criado no seu consultório ou até mesmo ser subjetiva. As ferramentas formais do ARC oferecem padronização, e as ferramentas digitais oferecem a capacidade de armazenar e comparar facilmente o risco ao longo do tempo.

Se você procura construir um formulário no seu consultório, atente-se aos seguintes passos para fazer a avaliação do risco de cárie:

  1. Anamnese:
    Observe em sua anamnese o uso de flúor do paciente, hábitos de higiene oral e acesso a serviços odontológicos. Pergunte sobre a dieta do paciente como um todo, observando a frequência e quantidade de ingestão de carboidratos fermentáveis. Por último, avalie a história médica e se o paciente faz uso de algum medicamento que interferem no risco de cárie, como antidepressivos, anti histamínicos, diuréticos e entre outros.

  2. Exame Clínico:
    Observe os aspectos das mucosas e dos dentes, se há índice de placa e se o paciente apresenta lesões passadas ou ativas de cárie. Se o paciente apresentar mucosas ressecadas, provavelmente há alguma alteração no fluxo salivar e que pode levar ao aparecimento da doença.

  3. Testes Auxiliares:
    Por último, você pode usar de recursos auxiliares para determinar o risco de cárie do seu paciente. Entre eles, testes de fluxo salivar e da capacidade tamponante da saliva (através de fitas que avaliam o pH).

 

Intervenções baseadas no risco:

Conhecer o nível de risco de um paciente ajuda a determinar, planejar e implementar as intervenções recomendadas. Quando há risco elevado de cárie, aumentar os fatores de proteção e reduzir os fatores de risco modificáveis ajuda a alterar o equilíbrio a favor da prevenção da cárie. Exemplos de fatores de proteção incluem a exposição ao flúor, fluxo salivar adequado, selantes e um estilo de vida saudável.

Fluoretos tópicos para a prevenção da cárie

Os fluoretos tópicos são um componente-chave da prevenção das cáries. Para os pacientes com menos de 6 anos de idade e com risco aumentado de cárie dentária, recomenda-se a aplicação de verniz de fluoreto de sódio (NaF) a 5%, pelo menos a cada 3 a 6 meses³⁰. Para pacientes com 6 anos ou mais, recomenda-se o uso de verniz de NaF a 5% ou uma aplicação entre 1 a  4 minutos de gel de fluorfosfato acidulado a 1,23%.

Além disso, lembre-se dos hábitos de higiene diários. Seguindo as recomendações da ABOPED (Associação Brasileira de Odontopediatria) e da IADP (Associação Internacional de Odontopediatria), assim que os primeiros dentes erupcionam na cavidade bucal dos bebês, estes devem ser escovados com creme dental fluoretado. A quantidade de creme dental fluoretado ideal para a faixa etária de 0 a 3 anos é equivalente a um grão de arroz crú, e para crianças a partir de 4 anos a quantidade de creme dental é equivalente a um grão de ervilha.

Para pacientes com baixo risco de cárie, o uso duas vezes por dia de pasta de dentes com flúor pode ser suficiente³⁰. Lembre-se de aconselhar os pais com as quantidades corretas de creme dental descritas acima e de supervisionar as crianças no momento da escovação.

Selantes de fossas e fissuras

As recomendações atuais apoiam a utilização de selantes de fossas e fissuras na dentição decídua e permanente, em superfícies oclusais sãs e lesões cariosas oclusais não cavitadas (incipientes).³² Isto inclui a utilização de selantes à base de resina e ionômeros de vidro.

Intervenções para lesões de cárie não cavitadas e cavitadas

A recomendação primária para lesões não cavitadas em dentes decíduos e permanentes é a utilização de selantes mais verniz NaF a 5% (com uma aplicação a cada 3-6 meses) nas superfícies oclusais e proximais, além de verniz NaF a 5% ou gel APF a 1,23% nas superfícies linguais e anteriores.

 

Educação dos doentes

A educação dos pacientes é essencial. Embora alguns fatores de risco modificáveis, por exemplo, a morfologia dentária, possam ser tratados no consultório, outros não o são e requerem adesão, como a melhoria da higiene oral ou da dieta.

Os pacientes devem ser instruídos sobre a higiene oral duas vezes por dia e aconselhados a reduzir os carboidratos fermentáveis. A informação apresentada visualmente e utilizando tecnologia digital pode ajudar os pacientes a desenvolver uma melhor compreensão dos riscos e das ações necessárias³⁵.

 

Conclusão

As ferramentas de avaliação de risco podem aumentar a exatidão e a da avaliação de risco, e os relatórios gerados podem ajudar a educar os doentes. Embora existam barreiras clínicas, incluindo restrições de tempo, como mencionamos acima, boa parte do exame clínico do ARC já é realizado. O aumento da compreensão e da adesão do paciente pode reduzir o tempo necessário para reforçar os cuidados em casa e obter a aceitação do paciente para os cuidados. Ao conhecer o nível de risco de um paciente, podem ser implementadas recomendações personalizadas para cada um, baseadas em evidências para melhorar a saúde oral. 

  • 1. U.S. Department of Health and Human Services. Oral health in America: A report of the Surgeon General, Executive summary. Rockville, MD: National Institutes of Health, National Institute of Dental and Craniofacial Research. 2000.
  • 2. Chen KJ, Gao SS, Duangthip D, Lo ECM, Chu CH. Prevalence of early childhood caries among 5-year-old children: A systematic review. J Investig Clin Dent 2019;10(1):e12376. doi:10.1111/jicd.12376
  • 3. Fleming E, Afful J. Prevalence of Total and Untreated Dental Caries Among Youth: United States, 2015–2016. NCHS Data Brief 2018;307. Available at: https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db307.pdf.
  • 4. Dye B, Thornton-Evans G, Li X, Iafolla T. Dental caries and tooth loss in adults in the United States, 2011-2012. NCHS Data Brief. 2015;197.
  • 5. Pitts NB, Zero DT, Marsh PD, Ekstrand K, Weintraub JA, Ramos-Gomez F, et al. Dental caries. Nat Rev Dis Primers 2017;25(3):17030.
  • 6. World Health Organization. Risk factors. Available at: https://www.who.int/topics/risk_factors/en/
  • 7.Tagliaferro E, Pardi E, Ambrosano V, Meneghim G, Pereira, MAC. An overview of caries risk assessment in 0-18 year-olds over the last ten years (1997-2007). Braz J Oral Sci 2008;7(27):7.
  • 8.Bibby BG, Krobicka A. An in vitro method for making repeated pH measurements on human dental plaque. J Dent Res 1984;63:906-9.
  • 9. American Dental Association. Caries Risk Assessment Form (Age 0-6). Available at: https://www.ada.org/~/media/ADA/Member%20Center/FIles/topics_caries_under6.pdf.
  • 10. American Dental Association. Caries Risk Assessment Form (Age >6). Available at: http://www.ada.org/~/media/ADA/Science%20and%20Research/Files/topic_caries_over6.ashx.
  • 11. AAPD. Caries-risk Assessment and Management for Infants, Children, and Adolescents. Latest revision, 2019. Available at: https://www.aapd.org/media/Policies_Guidelines/BP_CariesRiskAssessment.pdf
  • 12. AAPD. Best Practices. Perinatal and Infant Oral Health Care. 2016.. Available at: https://www.aapd.org/globalassets/media/policies_guidelines/bp_perinataloralhealthcare.pdf.
  • 13. Dasanayake AP, Warnakulasuriya S, Harris CK, Cooper DJ, Peters TJ, Gelbier S. Tooth decay in alcohol abusers compared to alcohol and drug abusers. Int J Dent 2010;2010:786503.
  • 14. Boersma JG, van der Veen MH, Lagerweij MD, Bokhout B, Prahl-Andersen B. Caries prevalence measured with QLF after treatment with fixed orthodontic appliances: influencing factors. Caries Res 2005;39(1):41-7.
  • 15. Opal S, Garg S, Jain J, Walia I. Genetic factors affecting dental caries risk. Aust Dent J 2015;60:2-11.
  • 16. Gomez A, Espinoza JL, Harkins DM, Leong P, Saffery R, Bockmann M et al. Host genetic control of the oral microbiome in health and disease. Cell Host Microbe 2017;22:269-78 e263.
  • 17. Featherstone JDB, Alston P, Chaffee BW, Rechmann P. Caries Management by Risk Assessment (CAMBRA)*: An Update for Use in Clinical Practice for Patients Aged Through Adult. In: CAMBRA® Caries Management by Risk Assessment A Comprehensive Caries Management Guide for Dental Professionals. (2019) Available at: https://www.cdafoundation.org/Portals/0/pdfs/cambra_handbook.pdf.
  • 18. Cagetti MG, Bontà G, Cocco F, Lingstrom P, Strohmenger L, Campus G. Are standardized caries risk assessment models effective in assessing actual caries status and future caries increment? A systematic review. BMC Oral Health 2018;18(1):123. doi: 10.1186/s12903-018-0585-4.
  • 19. Malmö University. Cariogram – Download. Available at: https://www.mah.se/fakulteter-och-omraden/Odontologiska-fakulteten/Avdelning-och-kansli/Cariologi/Cariogram/. 
  • 20. Petsi G , Gizani S, Twetman S, Kavvadia K. Cariogram caries risk profiles in adolescent orthodontic patients with and without some salivary variables. Angle Orthod 2014;84(5):891-5. doi:10.2319/080113-573.1.
  • 21. Martin J, Mills S, Foley ME. Innovative models of dental care delivery and coverage. Patient-centric dental benefits based on digital oral health risk assessment. Dent Clin N Am 2018;62:319-25.
  • 22. Chapple L, Yonel Z. Oral Health Risk Assessment. Dent Update 2018;45:841-7.
  • 23. American Dental Association. Electronic oral health risk assessment tools. SCDI White Paper No. 1074, 2013. Available at: http://www.ada.org/~/media/ADA/Science%20and%20Research/Files/ADAWhitePaperNo1074.pdf?la=en.
  • 24. Twetman S, Banerjee A. (2020) Caries Risk Assessment. In: Chapple I, Papapanou P. (eds) Risk Assessment in Oral Health. Springer, Cham. 
  • 25. Rechmann P, Chaffee BW, Rechmann BMT, Featherstone JDB. Caries Management by Risk Assessment: Results From a Practice-Based Research Network Study. J Calif Dent Assoc 2019;47(1):15-24.
  • 26. Mertz E, Wides C, White J. Clinician attitudes, skills, motivations and experience following the implementation of clinical decision support tools in a large dental practice. J Evid Based Dent Pract 2017;17(1):1-12. 
  • 27. Dou L, Luo J, Fu X, Tang Y, Gao J, Yang D. The validity of caries risk assessment in young adults with past caries experience using a screening Cariogram model without saliva tests. Int Dent J 2018;68(4):221-6. doi: 10.1111/idj.12378 
  • 28. Thyvalikakath T, Song M, Schleyer T. Perceptions and attitudes toward performing risk assessment for periodontal disease: a focus group exploration. BMC Oral Health 2018;18(1):90.
  • 29. Riley JL 3rd, Gordan VV, Ajmo CT, Bockman H, Jackson MB, Gilbert GH. Dentists’ use of caries risk assessment and individualized caries prevention for their adult patients: findings from The Dental Practice-Based Research Network. Community Dent Oral Epidemiol 2011;39(6):564-73.
  • 30. Weyant RJ, Tracy SL, Anselmo T, Frantsve-Hawley J, Meyer DM, Beltrán-Aguilar ED et al. Topical fluoride for caries prevention. J Am Dent Assoc 2013;144(11):1279-91. doi.org/10.14219/jada.archive.2013.0057
  • 31. American Dental Association Council on Scientific Affairs. Fluoride toothpaste use for young children. J Am Dent Assoc 2013;145(2):190-1. doi.org/10.14219/jada.2013.47
  • 32. Wright JT, Crall JJ, Fontana M, Gillette EJ, Nový BB, Dhar V et al. Evidence-based clinical practice guideline for the use of pit-and-fissure sealants. A report of the American Dental Association and the American Academy of Pediatric Dentistry. J Am Dent Assoc 2016;147(8):672-82.E12. doi.org/10.1016/j.adaj.2016.06.001
  • 33. Slayton RL, Urquhart O, Araujo MWB, Fontana M, Guzmán-Armstrong S, Nascimento MM et al. Evidence-based clinical practice guideline on nonrestorative treatments for carious lesions. A report from the American Dental Association. J Am Dent Assoc 2018;149(10):P837-49.E10. doi.org/10.1016/j.adaj.2018.07.002
  • 34. Baskaradoss JK. Relationship between oral health literacy and oral health status. BMC Oral Health 2018;18:172. Available at: https://doi.org/10.1186/s12903-018-0640-1.
  • 35. Collins FM. Oral health literacy. Available at: https://www.colgateoralhealthnetwork.com/article/oral-health-literacy/
  • 36. Alian AY, McNally ME, Fure S, Birkhed D. Assessment of Caries Risk in Elderly Patients Using the Cariogram Model. J Can Dent Assoc 2006;72(5):459–63. 
  • 37. Edwards AGK, Hood, K, Matthews EJ et al. The effectiveness of one to one risk communication interventions in health care: a systematic review. Med Decis Making 2000;20:290-7.